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Demissão não é o fim

Atualizado: 30 de ago. de 2023


Resolvi lançar esse artigo hoje porque é sexta feira e muita gente é mandada embora nesse dia, no final do expediente. E muita gente que passa por isso sabe que vai ser mandada embora, ou desconfia. Eu conheço bem o sentimento.


Fui mandado embora algumas vezes na minha vida. Na adolescência, aconteceu uma vez quando era office boy, outra quando era entregador de comida. Na vida adulta, na área de tecnologia, foram três vezes.


Sobre as primeiras, eu preciso admitir: eu era um péssimo office boy. Não conseguia manter o ritmo e a rotina necessária. Fazia muitas coisas pela metade e tinha dificuldade em lidar com a papelada. Eu atendia duas secretárias, e uma delas que me sentou pra me demitir, ela se chamava Fernanda. Eu tinha 15 anos e ela me disse: "Paulo, isso que você está fazendo aqui não dá certo pra você. Vá procurar algo na sua vida que você goste de fazer e que faça bem, vá ser cantor, ator, qualquer outra coisa, menos isso aqui. Faça algo que você goste." Lembro até hoje do rosto dela e da sensação mista de tristeza e conforto com essas palavras.


Como entregador de comida num restaurante chique no Shopping Morumbi, em São Paulo, eu fiquei quase um ano. Gostava de pedalar, gostava de me locomover, mas não gostava do ambiente, estava desenturmado com as pessoas e sinceramente, com 16 pra 17 anos, não tinha maturidade pra lidar com as pessoas que estavam ali. Sofri um acidente de bike numa entrega e perdi minha bicicleta. Isso me desmotivou mais e acabei fazendo corpo mole com o trabalho, na esperança de que me mandassem embora. Deu certo, iam anunciar minha demissão. Eu já havia conversado com meus pais em casa e avisado minha mãe. Mesmo assim, ela foi chamada pra assinar minha demissão e a gerente reclamou de mim pra ela. Minha mãe saiu chorando e isso me doeu pra caramba.


Na vida adulta, eu consegui entrar pra área de tecnologia. Me dei bem como analista de sistemas e tive uma ascensão rápida, me tornando sênior. Acabei sendo convidado para outras empresas e cheguei a arrumar um emprego na Inglaterra, onde fiquei por um ano. O projeto que eu estava foi para o vinagre e eu entrei pra lista da primeira leva de pessoas que foram demitidas. Sempre que penso no meu tempo lá, lembro o quanto gostei e o quanto eu senti saudades de casa. Realizei um sonho da minha vida indo morar no exterior, mas descobri na prática que, o que eu gosto mesmo é de poder voltar pra casa.


Quando voltei pro Brasil, depois de um tempo fui recontratado pela empresa que estava antes de ir embora. Entrei como analista e logo fui convidado a gerenciar projetos. Fiquei feliz com a oportunidade e fui aprendendo a nova função. Tudo ia bem no começo, mas um erro estratégico da empresa criou uma demanda maior que poderíamos atender. Sem saber como lidar com a cobrança do cliente e sem apoio dos meus gerentes, acabei recebendo muitas críticas e ficando mal com algumas equipes. Eu trabalhava muito, finais de semana e feriado direto, por meses, e mesmo assim não dava conta de todo trabalho. Na tentativa de me "ajudarem", me deram um projeto dito fácil, com os profissionais mais sêniores, pra montar numa tecnologia que eu não conhecia, mas que em tese não teria problemas. Mas teve. Muitos! O projeto não saia, as entregas não aconteciam. Eu demorei pra entender qual era o problema e acabei levando a culpa. E numa sexta feira, ao final do dia, já sabendo que estava na berlinda, fui chamado pelo gerente para dizer que eu estava demitido.


Consegui mandar um email para as pessoas antes de sair, me despedindo e agradecendo. Fui pra casa e chegando lá, chorei. Chorei muito. Pensei em todo trabalho que tive, todo o esforço, e me senti mal, incompetente, incapaz. Me olhava com os olhos de quem tinha me demitido. Como o que aconteceu com minha mãe, quando disseram a ela porque estavam me mandando embora. E assim como ela, eu esqueci de me ouvir. Ouvir o meu lado da história. Chorar me fez bem, me fez soltar toda a tensão e raiva que eu estava, toda a frustração... soltar e não pegar mais.


Pensar no que aconteceu me fez entender melhor o que passei. Eu já tinha concluído que o problema não era só da forma como eu estava gerenciando o projeto, mas o projeto em si. As pessoas da equipe me diziam que o projeto estava errado, ou seja, quem estava com a mão na massa estava dizendo que aquilo não era simples como diziam. E enquanto isso, o pessoal de cima simplesmente dava de ombros e exigia mais. Me lembrei de uma semana que virei três noites seguidas trabalhando, saí depois de 72 horas direto, fui pra casa tomar um banho e não consegui voltar na quinta à tarde. Voltei na sexta às 7h da manhã e a primeira pergunta que meu gerente fez foi "Por que você não veio ontem à tarde?" Eu estava com um projeto bomba e com chefes que queriam me ver explodir com ele.


Me lembro da reunião de demissão. O pessoal de RH, sabendo o que tinha acontecido, pedia insistentemente para eu falar de verdade o que sentia, se tinha algo a comentar, se queria deixar alguma reclamação sobre algo ou alguém. Eu só agradeci a oportunidade e disse que esperava, num outro momento talvez, encontrar as portas abertas.


Depois desse projeto, fui trabalhar em outros lugares, com outras pessoas. A vida continua. A demissão não é o fim. Eu tive parte no problema do projeto mas não fui o único. Sim, eu fui punido, mas não quer dizer que o problema tinha acabado, pois eu soube que nenhum outro gerente conseguiu entregar o projeto, por mais que se achasse melhor que eu. Antes de sair eu disse onde estava o problema, mas não quiseram acreditar. E enquanto eu fiquei com um relacionamento ruim com esses gestores, mantive um ótimo relacionamento com outros. Tanto que, um ano e meio depois de ter sido demitido por essa empresa, fui contratado de volta, para ganhar mais inclusive.


Isso só para dizer que o mundo dá voltas, muitas voltas. As pessoas que encontramos por cima hoje, podem amanhã estar por baixo, assim como aquelas que estejam por baixo hoje, podem se erguer amanhã, como aconteceu comigo, e essas pessoas me puxaram de volta. Claro, há aquelas também que já eram grandes e ficaram ainda maiores. E é nessas horas que um bom relacionamento conta. Não se trata de ser puxa saco, mas se trata de saber quem é quem na empresa e se fazer ser visto por essas pessoas.


Falamos muito sobre cumprimentar as pessoas que estão em cargos baixos, como porteiros e faxineiras como fator importante para nosso caráter, e eu super valorizo isso. Mas tem gente que não ousa falar bom dia para o CEO, para o sócio proprietário, para aquela diretora ou aquela executiva. Tem que cumprimentar, tem que auxiliar, tem que puxar assunto pertinente, fazer perguntas relevantes para o negócio, elogiar ações positivas e dar sugestões viáveis e inteligentes. Ficar no radar das pessoas que podem se interessar por você e te puxar pra cima, ou puxar de volta!


Sim, o mundo dá muitas voltas e uma demissão não é o fim. Tive o prazer de ver a cara incrédula dos gerentes que me demitiram, me vendo ser recontratado. E o prazer de encontrar aquela secretária que me demitiu quando eu era office boy, lembra dela, a Fernanda? Pois é... estava eu num shopping quando passei por ela, eu a reconheci na hora. Já havia se passado mais de 15 anos desde aquela situação, mas eu fui até ela e perguntei: "Com licença, você se chama Fernanda?". Ela confirmou me olhando, quase me reconhecendo, então eu disse: "Oi Fernanda, eu sou o Paulo, eu trabalhei pra você de office boy, você lembra de mim?". Ela deu um sorriso de alegria e disse "Paulo, claro que eu lembro! Como você cresceu! Tá tudo bem com você?". Eu disse que sim e aproveitei para falar pra ela algo que estava comigo há muito tempo. Eu disse:


"Fernanda, eu queria que você soubesse que eu sempre me lembro de você, do dia que você me demitiu. Você me disse pra eu ir fazer algo que eu gostava, que seria melhor pra mim e foi isso que eu fiz. Trabalho há mais de 10 anos com tecnologia e descobri que amo isso. Sempre lembro disso que você me falou e sempre quis te encontrar pra te agradecer pessoalmente. Obrigado!" Eu dei um abraço nela e nós choramos um pouco, emocionados. Eu de verdade sou grato a ela.


A demissão não é o fim. Pra quem é demitido ou se demite. A vida continua. Que possamos tentar fazer melhor da próxima vez, ser mais humildes, mais atentos, mais profissionais. Aprender com nossos erros, com os erros daqueles que erraram conosco. Aprender sempre, ser grato e deixar portas abertas. Não com aqueles que não gostam da gente, não nos aceitam, esses não tem jeito. Mas com as pessoas que nos enxergam de verdade e nos ajudam a nos tornarmos nossas melhores versões.


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Que essa sexta feira seja mais um dia, nessa longa jornada que é sua carreira, sua vida!


Um abraço,

Paulo Bomfim

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